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Pivotando a Cultura Organizacional

Pivotar é um termo comumente utilizado na criação de startups, que remete a dar uma mudança radical no rumo de um negócio que não está tendo o sucesso ou o resultado esperado. Raramente encontro um acionista, CEO, diretor ou gestor satisfeito com o rumo que o seu negócio ou sua área tomou, seja ele público, privado ou terceiro setor. A falta de engajamento dos profissionais, por exemplo, é uma das queixas mais recorrentes. Mas, como podemos ter um profissional não engajado em uma organização privada? Como podemos ter um servidor ou profissional não engajado no setor público, sendo a eficiência um dos princípios da Administração Pública? Simples, devido às correntes invisíveis que moldam o comportamento chamadas de Cultura Organizacional. Contudo, tempos de grandes dificuldades são perfeitos para resetarmos e darmos um novo rumo aos nossos negócios.

O diagnóstico da Cultura Organizacional

Em seu livro: Introdução à Administração, Peter F. Drucker¹ discorre o seguinte:

Toda empresa precisa meditar demoradamente na pergunta “Qual é nosso ramo e qual deve ser?” Partindo da declaração de sua missão e finalidade, a empresa deve traçar objetivos em uma série de áreas básicas e confrontar esses objetivos uns com os outros e em relação às demandas concorrentes de hoje e do amanhã. A empresa precisa transformar os objetivos em estratégias concretar e nelas concentrar seus recursos. Finalmente, precisa raciocinar em termos do seu planejamento estratégico, as decisões de hoje que construirão a empresa do amanhã.

Essa narrativa de Drucker é perfeita para entendermos o papel da Cultura Organizacional e seu impacto profundo nos resultados. Para um melhor entendimento iremos estruturar nosso raciocínio em três parte: Onde e como estou hoje? Onde e como gostaria de estar hoje? Quais estratégia poderia utilizar para pivotar ou direcionar a Cultura Organizacional?

Onde o como estou hoje?

O primeiro passo é meditar profundamente e demoradamente sobre qual é a minha Cultura Organizacional. Para isso, poderemos fazer um exercício verificando se nossa organização existe para um fim em si mesma, ou para atender ou se estamos atendendo satisfatoriamente a uma necessidade do mercado, empresa, pessoa, sociedade etc. Assim, poderemos fazer um simples exercício sobre nossa cultura atual:

Como vejo a cultura da minha organização?Como gostaria que fosse a cultura organizacional?
·      Profissionais com pouco engajamento·    Profissionais engajados
·      Processos sem melhorias·    Processos com melhorias contínuas
·      Procrastinação na tomada de decisão·    Decisões ágeis baseadas em dados e fatos
·      Treinamentos de acordo com o momento – demanda externa.·    Educação Corporativa – baseada em procedimentos e competências – demanda interna.

De forma geral, observamos que 90% das empresas não ligam para o lucro, tendo em vista que não sabem ou não têm um controle de quanto gastam. Um percentual ainda maior não possui Planejamento Estratégico, jogando literalmente no lixo mais de 30% de tudo que produzem.

Onde e como gostaria de estar hoje?

Tem um amigo meu que adora uma frase: “O futuro é hoje.” Neste sentido, a visão deve ser conduzida para o momento presente. Assim, cada dia que não estou como eu “gostaria que fosse…” é mais um dia desconectado ou sem sintonia com a realidade desejada ou do mercado, necessitando direcionar meus recursos para ajustar o rumo, ou pior,  nem ter ideia de qual caminho, valores ou monstros estou criando em minha organização ou área.

Platão, no XII livro de A República², narra uma história conhecida como Alegoria ou Mito da Caverna, onde nos leva a imaginar sobre a vida em uma caverna, sentados e amarrados, olhando sempre para a parede onde as sombras de tudo que passa na entrada da caverna estariam sendo projetadas. Com o tempo, passaríamos a acreditar que aquelas projeções seriam a realidade. Depois, um membro do grupo, empreende um esforço profundo para levantar-se, necessitando, ainda, de um momento de adaptação para que seus olhos possam enxergar as cores, objetos, ou seja, toda a realidade e maravilhar-se. Com grande júbilo, retorna aos que ficaram na caverna contando as novidades na esperança de resgatá-los. Porém, com o tempo, os que ficaram na caverna acabam convencendo-o de que tudo o que ele vira lá fora era ilusão e que as sombras na parede são a realidade.

Quantas empresas contrataram consultores, mentores, programas de qualidade e, por um tempo, ficaram deslumbrado com as melhorias no processo e seus resultados. Porém, como o tempo voltaram a enxergar “as sobras” (processos sem melhorias, falta de dados, falta de capacitação etc.) como sendo a nova realidade e, certos, pelo menos de acordo com suas ações, de que estão exercendo suas atividades de forma correta.

Então, poderemos nos questionar: como devo agir para pivotar ou direcionar a Cultura Organizacional neste momento que estou prestes a receber vários profissionais? Quais profissionais deveríamos recontratar? Tenho os Mapas dos Cargos atualizados com suas respectivas atividades, pré-requisitos e competências?[1]

Antes de fazer qualquer processo de mudança cultural, sugiro verificar com muita atenção e carinho os três pontos abaixo:

Pontos a serem observados antes de iniciarmos a mudança da Cultura Organizacional:

Utilizando, novamente, o conselho de Drucker, sugiro meditar demoradamente sobre as três perspectivas abaixo antes de qualquer iniciativa de mexer na Cultura Organizacional:

Recursos Financeiros:

O primeiro ponto é verificar se tenho recursos financeiro para patrocinar a mudança. Geralmente, observamos a necessidade de mudança de alguns profissionais, principalmente, de cargos de gestão; melhorias nos ambientes de trabalho; criação de espaços específicos, tais como: restaurante, salas de lazer e descanso; capacitação dos profissionais etc. São exemplos de ações que despendem recursos consideráveis em indenizações e investimentos.

Autonomia:

Para realizar as mudanças necessárias você precisará de autonomia. Caso seu cargo atual não tenha esta prerrogativa, é melhor ampliar o debate com os superiores para verificar o posicionamento deles, inclusive, dos acionistas. Porém, não sem antes aguçar os sentidos para verificar e perceber se eles possuem o ponto seguinte, muito raro nos dias de hoje.

Coragem:

Este é o divisor de águas. Com o passar dos tempos, as relações e os tensores vão equalizando levando a todos a um estado de conforto. As provocações feitas no início do artigo sobre por que ainda temos certos profissionais em nosso time, não teriam sentido se este ponto fosse encontrado com frequência em acionistas e gestores. Já me deparei com muitos gestores público dizendo que iriam fazer isso e aquilo e na primeira pressão do político, sindicato ou sociedade, voltarem rapidamente a palavra. O mesmo acontece com acionistas e gestores do alto escalão. Ao descobrirem que terão que demitir o amigo, parente ou que tenham que abrir mão de uma pequena parcela do seu lucro, não pensarão duas vezes em abandonar o projeto ou, principalmente, boicotar para não parecer que perdeu a palavra. Sem contar em sócios, casais, pais e filhos que contratam a consultoria apenas para dizer aquilo que eles mesmos não estão dispostos a fazer ou dizer pessoalmente.

Caso iniciei um projeto de mudança de Cultura Organizacional e falte recursos financeiros, autonomia e, principalmente, coragem você sairá do processo desmoralizado como profissional e até, muitas vezes, como pessoa. Neste caso, sugiro reconsiderar a sua ideia no momento, rever as estratégias, e iniciar o mais breve possível com as condições favoráveis.

Porém, vamos imaginar que você e sua organização passe pelo crivo das três perspectivas acima. Neste caso, você poderá implementar, redirecionar ou até mesmo pivotar a Cultura Organizacional seguindo e “meditando demoradamente” sobre os seis passos abaixo, baseados na construção, implantação e implementação do Planejamento Estratégico³:

  1. Diagnóstico: um bom diagnóstico é essencial para o direcionamento da cultura desejada.
  2. Perfil Corporativo: serve de farol para todos os passos para a construção da cultura organizacional:
    1. Propósito: a entrega que meu negócio se destina a realizar hoje.
    2. Visão: com gostaria de estar hoje.
    3. Valores: comportamentos coletivos que são alicerces para as entregas.
  3. Objetivos Organizacionais: como cada área do negócio poderá contribuir com as entregas. Podemos utilizar o organograma ou o BSC na construção;
  4. Metas: os resultados que irão consolidar as entregas e formar o painel de bordo;
  5. Planos de ação: o que devemos fazer para atingirmos as metas;
  6. Contrato de Entrega: o que cada profissional deverá entregar por meio de metas e competências;

Mexer na Cultura Organizacional é algo importante e essencial em muitos casos, mas que devemos analisar a disponibilidade de recursos financeiros, autonomia e coragem dentro de um determinado período de tempo proposto para a mudança. Pois, quanto menor o tempo, maiores serão os impactos de três fatores acima. Portanto, medite demoradamente e coragem!

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¹ Drucker, Peter Ferdinand, Introdução à Administração / Peter F. Drucker : tradução de Carlos A Malferrari. – São Paulo : Pioneira, 1984.

² Platão, A república / 8° reimpressão / Idealização e coordenação de Martin Claret – São Paulo : Editora Martin Claret, 2010

Robson Nunes

Mestre em Gestão Pública pela UFPE, com foco em estratégias públicas. Pós-graduado em Gestão de Pessoas e Marketing Estratégico pelo Centro Universitário de Volta Redonda (UfiFOA). Possui graduação em ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS pela Universidade Estadual de Alagoas. Sócio-Diretor do Instituto Edna Tizeu. Atuou como Diretor de Planejamento Estratégico da Associação Brasileira de Recursos Humanos – ABRH-AL. Tem experiência em consultoria na área de Administração, com ênfase em Gestão e Planejamento Estratégico, Recursos Humanos, Gestão de Projetos, entre outros. Blue Belt – Lean Manufacturing . Professor de graduação e pós-graduação. Formação em Coaching Multifocal pelo IMCC – Instituto Multifocal e formação internacional em Master Coaching, Mentoring e Holomentoring com foco Professional, Self & Life Coaching e Team, Leadership & Executive Coaching, pelo sistema ISOR do Instituto Holos.